HINO RIO-GRANDENSE X RACISMO
Uma das mais belas obras literárias do Estado do Rio Grande do Sul, tanto pelo seu valor histórico, quanto pelo seu real significado é o Hino Rio-Grandense.
Lamentavelmente, algumas mentes atávicas vêm tendo o despeito, através de sofismas, deturpações e inverdades, de tentar inseri-lo em um universo de sombras, revelando com isso imenso desconhecimento histórico sobre o tema, quando acusaram a obra, injustamente, de possuir trechos racistas, marcas de uma arrogância incrível, formas de segregação sutil e as raízes do racismo Gaúcho.
Para começar a dissolver esses embustes e também essas mentes que também pretendem, pasmem, a todo custo, mudar o Hino sob tais acusações, é necessário tratar o assunto com seriedade e retidão diante de sua real importância e significado.
Causa espécie ver que o primeiro embuste, diga-se de passagem, pertencente ao bizarro, seja acusar o Hino Rio-Grandense como algo que carregue as raízes do racismo Gaúcho.
Ora veja, na medida em que se afirma isso, se constata, claramente, que referida premissa parte do pressuposto, através de uma generalização estapafúrdia, de que todos os Gaúchos são racistas.
Facílimo nos parecesse dissolver tamanho acinte. A uma, a despeito da obviedade, nem todos os Gaúchos são racistas. Existem inúmeras pessoas, das mais diversas etnias, que são Gaúchas e, por supuesto, não são racistas. Fato que a esmagadora maioria não é. A duas, porque no Hino Rio-Grandense não estão as raízes do racismo Gaúcho. Lógico que existe racismo, infelizmente e lamentavelmente, no Rio Grande do Sul. Assim como também existe, infelizmente e lamentavelmente, em todos os Estados do país e em diversos países do mundo.
E aqui há que se colocar as coisas no seu devido eixo e a pratos limpos.
Racismo não é só (como muitos concebem) uma ofensa endereçada por um homem branco, contra um homem negro, em relação a sua cor ou crença, com o ânimo de lhe inferiorizar ou fazendo deboche ou sarcasmo, rotulando a vítima como se fosse um inapto, um incapacitado, ou um desqualificado. Racismo, também é, esse mesmo tipo de ofensa, partida de quem quer que seja, contra brancos, negros, amarelos, pardos, índios, paraguaios, asiáticos, nordestinos, cearenses, mineiros, catarinenses, alemães, italianos, espanhóis, franceses, chineses, japoneses, palestinos, árabes, cristãos, judeus, umbandistas, espíritas, budistas, muçulmanos, ateus, agnósticos… e por aí vai.
Não se pode fazer generalização tão estapafúrdia que parta do pressuposto afirmando que todos os Gaúchos seriam racistas, como também não se pode dizer que o Hino Rio-Grandense carregue as raízes do racismo que possa existir no Estado.
Para que possamos agora analisar o tema de forma transversal, será necessário conhecer, ao menos um pouco, sobre a vida do criador do Hino e como, inicialmente a obra foi criada, a bem de situar as essas pequenas mentes que fizeram acusações tão pequenas.
Oficialmente, verdade seja dita, a obra chama-se Hino Rio-Grandense. No entanto, historicamente, conforme foi criado, a obra chamava-se Hino Republicano Rio-Grandense.
E já aí há de se salientar essa expressão, qual seja, Re-pu-bli-ca-no!
Joaquim José de Mendanha é o legítimo autor dessa brilhante obra que a todos Gaúchos legítimos enche de imenso orgulho. Nasceu em 1800, em Itabira do Campo, município de Ouro Preto, província do Estado de Minas Gerais. Era negro, professor, músico e maestro. Integrou o 2º Batalhão Imperial de Caçadores do Rio de Janeiro. Regeu inúmeras bandas e orquestras, compôs obras sacras para as Igrejas e para cerimônias cívicas. Também regeu grupos musicais que animavam as festas da sociedade. Era defensor do Império e da Monarquia e serviu no Exército Imperial como músico militar. Seus laços com o Hino começaram, na verdade, em 30-04-1838, na antiga Vila de Rio Pardo, quando foi deslocado pelo Exército Imperial, do Rio de Janeiro, onde servia, para a Província do Rio Grande do Sul. Na ocasião, os Farroupilhas atacaram de surpresa as Forças do Império e o maestro e a sua banda foram aprisionados. O fato ficou conhecido como Combate de Rio Pardo. Detalhe: a despeito do aprisionamento, o grupo imperialista de Mendanha e os integrantes do Batalhão Imperial aprisionados sempre foram tratados com respeito pelos Farroupilhas. Foi nesse período de aprisionamento, em meados de maio de 1838, que Bento Gonçalves, um dos maiores ícones da Epopeia Farroupilha, pediu a Mendanha que compusesse o Hino Rio-Grandense e o pedido acabou sendo aceito. Mendanha retomou sua condição de integrar o Exército Imperial somente em 20-12-1839, quando o Império deu o troco nos Farrapos e, comandados pelo Tenente-Coronel Francisco Pedro de Abreu, conhecido como Barão da Jacuí, a Praça de Rio Pardo foi retomada. Dirigiu coros, não um, mas vários, da Igreja das Dores e da Catedral Metropolitana de Porto Alegre. Regeu festas solenes. Uma delas que homenageou o Conde de Caxias, momento em que o maestro ofereceu ao Conde a obra chamada Te Deum, de sua própria autoria. Regeu uma orquestra na inauguração do Teatro São Pedro, em 27-06-1858, quando comandou 24 (vinte e quatro) músicos. Fundou quatro sociedades musicais, a saber: a Sociedade Musical Porto-alegrense, a União Musical Brasileira, a Musical Rio-Grandense e a Musical 7 de Setembro. Mendanha residiu em Porto Alegre até o final de sua vida. Faleceu com 85 anos, em 1885.
Além de todos os predicados e predicativos acima citados, Mendanha foi também comendador da Imperial Ordem da Rosa. Todavia, como tinha aversão a utilização de títulos, em razão das ideias liberais que possuía, jamais utilizou a distinção que a comenda lhe conferiu, preferindo ser chamado tão somente como “maestro”.
Do ponto de vista histórico é fato incontestável que a obra de Mendanha foi o Hino oficial da República Rio-Grandense proclamada em 11 de setembro de 1836, por Antônio de Sousa Neto.
Passados os anos, com a Proclamação da República em 15-11-1889, pela letra simbolizar e traduzir ideal da Epopeia Farroupilha, por anuência popular, ficou denominada como Hino Rio-Grandense e em 05-01-66, através da Lei Estadual nº. 5.213, a melodia e a letra foram assim oficializadas.
Importante destacar que no art. 7º, da referida Lei Estadual há o reconhecimento de Joaquim José de Mendanha, como autor do Hino Rio-Grandense, de Antônio Tavares Corte Real, como revisor e, de Francisco Pinto da Fontoura, como quem lhe acrescentou os versos.
Como se pode perceber, com a belíssima história e biografia de Joaquim José de Mendanha, com os ideais que ele defendia, com a conduta proba, com a educação exemplar que possuía, aliás, educação e conduta dignas de registro de historiadores muito prestigiados, como Antônio Tavares Corte Real, ter o despeito de dizer que o Hino Republicano Rio-Grandense carrega as raízes do racismo Gaúcho, isso não só é fruto de notório desconhecimento, como é desrespeitoso com a vida do autor e com a história, além de ser uma acusação leviana, infundada e inverídica, porque a história comprova que a vida da raiz, qual seja, o autor do Hino, foi exatamente o oposto dessa afirmação que se fez, a começar, pelas raízes étnicas que o autor possuía.
É oportuno lembrar que a Revolução Farroupilha não era uma revolução racista. Jamais foi. Muitíssimo pelo contrário. Era uma revolução liberal, guiada por exemplares ideais liberais. Convém lembrar, inclusive, que os ideais liberais foram eternizados, inclusive, na Bandeira do Estado do Rio Grande do Sul. O primeiro deles a República Rio-Grandense. Vejam bem, República! Mister destacar que dentre todos os Estados brasileiros, o único Estado que possui a referência a esse ideal em sua Bandeira é o Rio Grande do Sul. Em síntese, somos um Estado de valor verdadeiramente ímpar. Mais, na nossa Bandeira constam outros valiosíssimos ideais liberais, e em maiúsculas: LIBERDADE, IGUALDADE e HUMANIDADE.
Ora veja, nenhuma República que se conceba como idônea pode ser construída sob bases racistas. Nenhuma! República entretém e traduz o sentimento de que a coisa pública pertence a todos, sem exceção, não se podendo falar em discriminações de nacionalidades, etnias, raças, condições sociais, econômicas ou credos.
Muito menos se poderia conceber uma República, com um trecho racista em seu Hino, ou que ele venha ser racista, ou que venha conter segregação sutil, na medida em que constam em seus ideais, em maiúsculas, a LIBERDADE, a IGUALDADE e a HUMANIDADE.
Fato é que desde a criação do referido Hino, três versões já foram feitas. A primeira de autoria de Joaquim José de Mendanha. A segunda, que nada mais foi que uma alteração da primeira, cuja autor é desconhecido até hoje. Por fim, a terceira de Francisco Pinto da Fontoura (conhecido como “Chiquinho da Vovó”), versão essa que contém acréscimos da versão original de Mendanha. Dentre as três versões, após algumas adaptações rítmicas e um corte da segunda estrofe inteira, preferiu-se a de Mendanha, com os acréscimos introduzidos por Francisco Pinto da Fontoura.
Eis a segunda estrofe excluída:
“Entre nós reviva Atenas,
Para assombro dos tiranos;
Sejamos gregos na glória,
E na virtude, romanos.”
Referida exclusão ocorreu porque na época do governo militar (1964-1985) a palavra “tiranos” não agradava aos militares. Todavia, de suma importância ressaltar, que à época da criação do Hino, seu autor jamais teve a intenção de se referir aos militares. Aliás, tal fato era de todo impossível, dado que Mendanha foi militar integrante das Forças Imperiais e também porque o Hino foi criado em meados de maio de 1838, ou seja, 126 anos antes do governo militar que iniciou em 1964. Só lunáticos poderiam cogitar que o autor quis se referir aos militares. A exclusão da estrofe, sob referido fundamento de não agradar aos militares, verdade seja dita, mutilou o Hino Rio-Grandense.
O que o Estado do Rio Grande do Sul legitimou, por meio da dita exclusão, ao nosso sentir, foi o mesmo que dar o direito a quem não é autor de uma obra, pegar sua caneta e riscar sobre a criação de outrem, deturpando-a mediante exclusões, a seu bel prazer, ou o mesmo que permitir que alguém, com seus pincéis, tesoura e uma palheta cheia de cores, pudesse pintar sob uma tela que não é de sua autoria, ou ainda recortá-la, conforme bem entender, sem o consentimento do autor da criação. Preservação, revisão e restauração de obra é uma coisa. Mutilação é outra bem diferente.
Aquelas pequenas mentes a que nos referimos costumam, através de chiliques, também dizer que o seguinte trecho do Hino seria o ponto em que se constataria as raízes do racismo Gaúcho: “Povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. Mais um sofisma estapafúrdio.
Escravo, no contexto histórico e literal da expressão posta por Mendanha, não está a se referir a negros, pardos, índios, brancos, asiáticos ou quem quer que tivesse sido escravizado em razão de sua cor, etnia, credo ou posição social. Vale lembrar que as ideias liberais dos Farrapos, na verdade, queriam exatamente o oposto, ou seja, a LIBERDADE, a HUMANIDADE e a IGUALDADE. Foram sob essas bases que foi idealizada a República Rio-Grandense.
Nessa perspectiva pode-se visualizar que escravo é utilizado em sentido metafórico, com o sentido de estar na condição de refém, ou na condição de aprisionado, ou na condição de submisso, ou sob o jugo, o que permite concluir, como fez Mendanha, que um povo que não tem virtude, ou seja, caráter, elevada qualidade, valores e princípios, acaba, por supuesto, submisso, sob o jugo, refém, prisioneiro de si mesmo.
Quem conhecesse, verdadeiramente, a história da Epopeia Farroupilha, respeitaria e exigira respeito ao que ela significa, de início, em homenagem a memória do autor do Hino, aos cidadãos Gaúchos, aos cidadãos portoalegrenses, dado que Porto Alegre continua como capital do Rio Grande do Sul e a Lei Estadual Lei Estadual nº. 5.213/66 que oficializou o Hino como símbolo oficial, juntamente com a Bandeira e o Brasão de Armas.
O pensar atávico, não raras vezes, busca alterar e negar as tradições, o valor histórico e a Lei, dado que a obnubilação lhe pertence.
Impõe-se dizer que vivemos em uma democracia e em um Estado Democrático de Direito.
E na constância de uma democracia e de um Estado Democrático de Direito reais, ambas só existem, com base no Império da Lei.
Ninguém está acima da Lei.
Se se quer defender tais “mudanças psicodélicas” há de se mudar a Lei. Então, quem assim o quiser, que proponha um Projeto de Lei, dentro das regras do jogo, contatando com as bancadas que representam os pensamentos e as ideologias que apoiem tais “mudanças”.
Muito simples.
O que não cabe é desrespeitar, deturpar e violar a Lei para se atingir fins escusos, em especial, quando se é representante eleito, pois de representantes eleitos espera-se, no mínimo, o exemplo, e não passar a constranger os cidadãos de onde se obteve o mandato, ou promovendo fiascos na Casa Legislativa que se passa a integrar, tornando o convívio entre os próprios pares que se passa a ter insuportável.
O que não cabe é achar que se pode escrever sobre o que se queira, ainda mais um tema de tamanha envergadura e propor uma mudança, sem antes perquirir o assunto minuciosamente. Isso é achismo, é despreparo, é descompromisso. Mais denota arrogância e prepotência do que maturidade, conhecimento e humildade. Ainda mais, quando a intenção se desfaz por completo no campo do desconhecimento do tema que se escreveu e da proposição feita, sobrando apenas das letras escritas e intenções expressas, sofismas, deturpações e inverdades.
Aquelas pequenas mentes a que nos referimos também costumam asseverar, com seus chiliques, que o Hino Rio-Grandense possui outras formas de segregação sutil, como um trecho que esconde a chacina dos lanceiros negros no massacre dos Porongos e traz ainda as marcas de uma arrogância incrível, o que estaria na seguinte parte do Hino: “De modelo a toda a terra”.
Eis outro sofisma estapafúrdio.
Se um hino faz parte de um sistema identitário que procura dar unidade ao povo; se um hino contém, não raras vezes, caráter bélico, ufanista, exultante da bravura e cheio de beletrismos parnasianos, por que, então, a insistência desarrazoada e incompreensível que deveria ter constado no Hino Rio-Grandense referência a chacina dos lanceiros negros ocorrida em Porongos?
A se considerar tal pretensão, é de se questionar se seria apenas essa atrocidade que ocorreu na Guerra dos Farrapos que haveria de constar no Hino Rio-Grandense, pela ótica quem defende essa necessidade? Todas as outras atrocidades realizadas pelo Império, ao longo de toda a Epopeia Farroupilha, tanto com Farrapos, quanto com os escravos negros, não deveriam constar então, se sequer foram cogitadas na defesa desse argumento, podendo-se para essas se fechar os olhos?
Francamente!
Se todas as atrocidades cometidas pelo Império contra os escravos e os Farroupilhas fossem referidas no Hino, este não teria fim.
A afirmação de que o Hino esconde a chacina dos lanceiros negros no massacre de Porongos é de todo inapropriada, incabível e impertinente.
Hinos, praticamente em sua totalidade, não citam o lado infeliz, triste e vergonhoso de uma história. Se isso fosse a regra geral, Hinos provavelmente não existiriam de tantas atrocidades que a “humanidade” já conheceu, não temos dúvidas, em sua esmagadora maioria, perpetradas pelo homem, exceto as que ocorreram pelas forças da natureza.
Vejamos a prova dos nove em relação a nossa colocação:
O Hino da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas acaso citava as atrocidades praticadas pelo exército vermelho, quando foram abusadas sexualmente e estupradas mais de 2.000.000 (dois milhões) de mulheres alemãs?
O Hino de Cuba acaso cita as atrocidades cometidas por Fidel Castro, por Raul Castro e por Che Guevara ao golpearem o poder, destituindo, com armas, o governo de Fulgêncio Batista?
O Hino da China acaso cita as atrocidades de Mao Tsé-Tung, aliás, ainda existentes, contra o povo chinês e a liberdade de expressão, em especial no que concerne as relações de trabalho, mantendo milhares de chineses ainda na condição de escravos? Aliás, o Hino da China cita as execuções realizadas pelo governo chinês e ou os motivos reais das mesmas, dentre os quais, pensar diferente, ter outra crença, outra religião, por quem se opõe ao regime unipartidário comunista, em que um só partido existe e governa, em aversão a democracia?
O Hino do Chile acaso cita as atrocidades cometidas pelo governo do General Augusto José Ramón Pinochet?
O Hino da França, a belíssima A Marselhesa, acaso cita as atrocidades cometidas contra os próprios idealizadores da Revolução Francesa que foram levados à guilhotina? Acaso cita, de um lado as atrocidades cometidas contra os absolutistas defensores do Ancien Régime ou, de outro lado, as atrocidades cometidas contra um imensurável número de cidadãos que apoiaram a queda da bastilha?
Evidentemente que não!
Aquelas pequenas mentes a que nos referimos, com seus chiliques, vão ainda mais longe, ao afirmar que a expressão “De modelo a toda a terra” seria marca de uma arrogância incrível e dizem que na letra do Hino existem outras formas simbólicas de segregação racial.
Ora veja, não existe, nenhuma marca de arrogância no Hino Rio-Grandense e nem tampouco alguma marca de segregação racial.
Muitíssimo pelo contrário.
O trecho em comento não pode ser descontextualizado para receber a interpretação que se queira dar. Tem sim é de ser interpretado com sua respectiva estrofe, que assim diz:
“Mostremos valor, constância,
Nesta ímpia e injusta guerra,
Sirvam nossas façanhas
De modelo a toda terra,
De modelo a toda terra.
Sirvam nossas façanhas
De modelo a toda terra.”
É claríssimo que a expressão “De modelo a toda a terra”, repetida na estrofe por 3 (três) vezes se refere as façanhas, ou seja, aos feitos de bravura, de heroísmo, de coragem dos Farroupilhas ao se oporem e desafiarem o Império, o que consequentemente, desencadeou a guerra ímpia e injusta retratada na Epopeia Farroupilha, com a espoliação que o Império impunha aos produtores Gaúchos de charque, principal produto da época, vendido pelos estancieiros, nas chamadas charqueadas e que movia a economia Gaúcha, baseada na pecuária.
Por incrível que pareça, o Império também permitia o contrabando de charque vindo da Argentina e do Uruguai, para abastecer as fazendas de São Paulo e Minas Gerais. Com isso havia perda de receita para os produtores Gaúchos e para o Rio Grande do Sul, uma vez que o charque Gaúcho era taxado com altos impostos, ao passo que o charque platino (do Uruguai e da Argentina) pagava baixíssimos impostos de importação, ou era contrabandeado, “com vistas grossas” do Império, o que enriquecia exponencialmente os produtores platinos e empobrecia os produtores Gaúchos.
São essas as façanhas e é isso, em última análise, que significa a expressão “De modelo a toda a terra”: a bravura, o heroísmo, a coragem dos Farroupilhas ao se oporem e desafiarem o Império, que consequentemente, desencadeou a guerra ímpia e injusta referida retratada na Epopeia Farroupilha.
Aquelas mentes pequenas a que nos referimos, com seus chiliques, estão mesmo em órbita. Pasmem, chegaram ao cúmulo de dizer que o Hino Rio-Grandense fazia referência aos deuses gregos.
Ora veja, nenhuma referência, em nenhuma das versões que o Hino possuiu havia referência aos deuses gregos.
O Hino fazia, sim, referência a Atenas (capital da Grécia e berço da civilização), ao povo grego e ao povo romano, os quais a história registra, desde os tempos mais remotos, sempre pautaram seus feitos, com base na glória e na virtude.
Porém, aos deuses gregos não há e jamais houve qualquer menção no Hino.
Aquelas mentes pequenas a que nos referimos, com seus chiliques, querendo relativizar a tudo, eis que agora entendem ser o momento de revermos nossos símbolos e modificá-los quando ferem a dignidade humana. Mais um sofisma estapafúrdio.
Certamente, não conseguirão tal intento em relação ao Hino Rio-Grandense.
Rever e modificar símbolos se forem atentatórios contra a dignidade humana, sim.
Mas, não é, nem de longe o caso do Hino Rio-Grandense!
Muitíssimo pelo contrário!
O que existe no Hino Rio-Grandense, isso sim, são homenagens a dignidade humana exaltando, inclusive, a virtude, os valores, a glória, as façanhas e os bons exemplos: “De modelo a toda a terra”.
Aquelas mentes pequenas a que nos referimos, com seus chiliques, andam agora querendo causar é chamada “lacração”. Exatamente, uma espécie de neologismo de quinta classe que bem denota a pequenez de quem o busca e com ele se pauta. “Lacração” essa que vem agora, com as roupagens da rebeldia, exalando ignorância e desrespeito, quando mandatários eleitos, em sessões de posse promovem repúdio e se negam a ficar em pé ao se executar o Hino Rio-Grandense, bem como decidem permanecer sentados durante a execução, atentando assim, contra a própria Lei Estadual nº. 5.213/66, que em seu art. 27, assim determina (grifamos em caixa alta):
“Nas cerimônias de hasteamento e arriamento da Bandeira, OU quando ela se apresente em marcha ou cortejo, E NA EXECUÇÃO DO HINO é OBRIGATÓRIA a ATITUDE de RESPEITO; os militares farão continência regulamentar e OS CIVIS ficarão descobertos, ERETOS e silenciosos.”
Nem se precisaria Lei para que alguém tivesse de ficar em pé na execução de um Hino. Bastaria ter as noções mais elementares de etiqueta, para saber que ao se executar um Hino, fica-se em pé, em reverência as tradições e a história do ente que se faz mesura, seja uma entidade, uma cidade, um Estado ou um país.
Consequentemente, ao se desrespeitar as regras elementares de protocolo, ao violar a Lei, já na cerimônia de posse, a medida que cabe no ato, de parte do Presidente da Mesa ou de quem conduza os trabalhos é, de pronto, cancelar a posse, uma vez que ao se descumprir o protocolo e a Lei a posse não foi perfectibilizada. Ou é isso, ou se legitima a baderna.
Não é assim que funciona!
Vale salientar que a Casa Legislativa a que pertença o eleito (seja Câmara dos Vereadores, Assembleia Legislativa, ou Congresso Nacional) pertence aos cidadãos, por isso são chamadas Casas do Povo, em que os eleitos possuem a condição temporária, e não vitalícia, de representantes, por receberem votos.
Com efeito, se a posse não for cancelada, no ato, diante do repúdio lamentável de se cumprir o protocolo e a Lei, a medida que se impõe é a cassação, dado que a posse está maculada por crasso e inadmissível desrespeito e inclusive por ilegalidade que não perfectibilizou o ato.
Nenhuma retratação é possível de ser feita de parte do violador da Lei nesse caso.
Toda a vez que o violador estiver presente na Casa Legislativa a que pertença e o Hino for executado e a Bandeira estiver presente, não só se estará realizando um novo acinte ao Hino e à Bandeira que possui os ideais Farroupilhas inscritos, mesmo que o fato não se reitere, como também a referida Casa Legislativa estará legitimando o desrespeito e a ilegalidade cometida, mediante o pouco caso, a negligência, a apatia, a indiferença, a omissão, a conivência, levados a efeito pelo perdão tácito, o que estimulará, dessa forma, que novas reiterações nesse particular venham a ocorrer e venham a ser consideradas como “normal”.
Se o desrespeito e a ilegalidade forem a tônica nas cerimônias de posse, a ponto de serem recebidas como “façanhas” ou se “servirem de modelo a toda a terra”, o Estado e a República Rio-Grandense se transformaram em um circo.
Já imaginaram se isso ocorrer em todas as Câmaras de Vereadores do Rio Grande do Sul?
Vejamos as proporções.
O Rio Grande do Sul possui 497 cidades!
Isso será o caos, será a oficialização do ridículo, do bizarro, do patético e do estapafúrdio.
Nada há nada de se aplaudir a quem desrespeita os protocolos, a Lei, as tradições e os significados dos símbolos oficiais.
Isso revela, sim, uma mentalidade infantilóide, que simplesmente, por que quer, acha que pode ingressar em uma Casa Legislativa, simplesmente porque fez votos, e então pintar e bordar, como se a Casa fosse de sua propriedade. Isso é comportamento de gente pequena, muito pequena.
Portanto, repúdios e proposições sedimentadas no desconhecimento e em gestos que não servem de exemplo, desrespeitam nossa história, nossas tradições, nossos símbolos, nossos feitos, nossas façanhas e o que eles significam jamais serão recebidos como incorporações que nos enriquecem.
Pedro Lagomarcino
OAB/RS 63.784